Ao mundo, peço desculpas. No momento em que me escrevo, aqui e agora, parece que toda minha vida me trouxe a este momento, a essa conjuntura dos fatos e das condições. Infelizmente, várias feridas tiveram que ser abertas, fechadas e remendadas para que eu pudesse entender. Agora finalmente encontrei o que buscava há anos em terapia: o que me faltava não era conhecimento. Era humildade. Talvez eu consiga me explicar ao longo do texto, talvez não. Mas, como sempre, irei tentar.
Deveria estar dormindo. Mas já sei que meu corpo rolará por toda a extensão do colchão, até pelos centímetros mais longínquos de sua borda, antes que eu consiga adormecer. Então já desisti até de tentar, pois já sei que falharei nessa empreitada. Infelizmente, o que me assola agora é algo de que não posso me cindir, me separar ou desvencilhar. O que me assola agora, nessa noite quente de setembro, sou eu mesmo. E só me assolo agora porque por muito tempo busquei consciência quando o que me faltava era a humildade para olhar para dentro de meu próprio eu e ver coisas que muitas vezes não eram belas. E (mais um insight!), por tê-las dentro de mim, torno-me não menos, mas mais humano. O que me empobrece é a falta de coragem para encará-las.
Porém, o todo que sou e que rodeio chegou a um ponto em que fui encurralado contra uma parede e perguntado, por mim mesmo, o seguinte: você quer ficar ou você quer ir? Quantas vezes nos perguntamos essa questão? Quantas vezes temos que decidir a respeito dela? No meu caso, creio que já foram demasiadas as vezes em que cheguei nesse ponto. Não é de hoje que respondo essa pergunta sem a devida humildade. Não é a primeira vez que fico acordado por conta dessa questão (ou, neste caso específico, por conta da repercussão da mesma).
Em maio, encontrei-me de corpo e alma com uma garota maravilhosa. E quando digo “maravilhosa” não me refiro apenas à sua beleza física. Digo também de mim quando a chamo de “maravilhosa” porque demonstra o fascínio e a admiração que ela me proporciona, cotidianamente. Talvez nem ela mesma saiba quão grandiosa e boa ela é, muito menos quanta calma ela me gera. Apaixonei-me por ela logo de cara. Estava ainda em boas condições. Talvez fosse uma máscara que estava vestindo para que ela não visse aquilo que nem eu aguentava ver. No início, demonstrei minha melhor versão, minha melhor pessoa. Hoje, talvez deva ser sincero comigo e com ela a ponto de afirmar que, atualmente, a mesma pessoa por quem ela se apaixonou escondeu dela, por um longo e exagerado tempo, todo o seu podre. E não é pequeno. Ainda assim, ela esteve lá e está lá.
Vivemos muitas coisas boas e felizes. E, ultimamente, muitas coisas ruins e tristes. Desde o início de nosso relacionamento, alertei-a para que não se afastasse de seu círculo social. Talvez eu, que tanto gosto de escrever, tenha incorrido num erro semântico. Queria dizer-lhe, na época, que não se afastasse de si mesma. Queria dizer-lhe que continuasse com sua vida APESAR de mim. E este não é um “apesar” ruim, afinal o que nos une é algo condicional. Ninguém tem obrigação de cuidar de mim ou de me acudir. Alguns o fazem porque gostam de mim (e a todos vocês, a gratidão é o máximo que posso dar no momento).
Em meus repetidos jogos emocionais, em minhas chantagens, em minha tentativa de controlar aqueles que me amam, esqueci-me de algo que é essencial para os bons relacionamentos. Esqueci-me completamente de que bons relacionamentos são bons justamente porque são condicionais. Condicionais no sentido de que não se tolera tudo, de que não se aguenta tudo, de que não se é obrigado a fazê-lo. Há tolerância, é claro, mas ela é limitada. E, para que sejam bons relacionamentos, ela deve ser limitada. Esqueci-me totalmente de que tentando grudá-la a mim para que não sofresse com sua possível perda, arriscava jogar pelo ralo nossa relação, perdendo de vista que é justamente garantindo-lhe sua liberdade que você escolheria, dia após dia, retornar. Aí está o paradoxo: tentei incutir incondicionalidade num amor que, para ser bom, deve ser condicional. E por mais isso, peço desculpas. Fui cego.
Só agora percebo meus vários erros. Quando dizia às vezes que iria voltar para sua cidade natal, inúmeras foram as vezes em que respondi “Ah, ok, vamos juntos!”. Não percebi o que ela estava dizendo. Não percebi que ela estava lutando contra minha vontade primitiva de enclausurá-la, de sufocá-la, de controlá-la, de algemá-la a mim. Não entendia que ela tem demandas que me transcendem. E deve ter, precisa ter, obviamente. Para que ela seja ela mesma, precisa continuar sendo amiga de outras pessoas, precisa continuar existindo sem mim, precisa ter a liberdade para falar que não me quer ali naquele momento e precisa poder ter a confiança de que eu a compreenderei sem mudar as rotas planetárias para que tudo gire em torno de mim. Logo, fui surdo.
E é justamente a possibilidade de errar ainda mais que me mobiliza agora. Não quero perder também seu tato, seu cheiro e seu gosto como perdi as palavras que ela dizia entrelinhas nem como perdi sua liberdade de vista. Principalmente, não quero perder seu amor. Não porque ele me seja necessário e dele dependa, mas porque ele me instiga e me complementa. E agora chego ao ponto que queria chegar: agora vejo a necessidade premente que tenho de ser humilde. Agora, mais que antes, mais que sempre, mais que tudo, devo ser humilde.
Devo ser humilde, em primeiro lugar, para admitir para o mundo e quem mais quiser ouvir que estou doente e que preciso de ajuda. Preciso admitir que não sou perfeito, que tenho falhas que, independentemente de onde surgiram, precisam ser trabalhadas. Devo também ser humilde para aceitar os bastidores da vida dessa pessoa que eu tanto amo para permitir que ela viva sem restrições quando assim ela desejar. Devo ser humilde para olhar para mim mesmo e refletir, sem o medo de encarar meus problemas. Não devo ter medo de ser ofuscado por meus defeitos justamente porque pretendo ser humilde e dar-lhes a visibilidade que merecem, nos momentos e espaços adequados, para que meus outros momentos de vida sejam cativantes. Devo ser humilde e aceitar que sofri e que muitas vezes não tive forças para gritar socorro. E que isso não me torna menos ou pior que qualquer outra pessoa. Arrisco dizer que devo ser humilde e pacífico comigo mesmo o suficiente até para aceitar um mundo em que eu seja menos ou pior que outra pessoa por agir de tal maneira, afinal essa é uma decisão minha e que me diz respeito no aqui e agora.
Amor, com medo de te perder, por amar-lhe muito, ainda que não da forma certa, aprisionei-lhe. Agora, com a maior humildade e fragilidade possíveis a tal atitude, lhe entrego as chaves desse cômodo que sou. Já lhe prometi que vou mudar, pois quero ser para você uma boa cama após o estafo do dia: importantíssima, mas não dependente. Você se deita na cama para descansar, mas sai dela para viver. Você come para matar a fome, mas para de comer quando se sacia. Devo aceitar como fato estabelecido da condição humana de que todos somos extremamente importantes uns para os outros, mas que assim como tudo na vida precisamos de mais do que só aquela coisa.
Assim, não pretendo mais preenchê-la, pois me resignei e aceitei que nunca serei capaz de preenchê-la na totalidade de seu ser, assim como não conseguirei fazê-lo a qualquer outra pessoa que me rodeia. Não tenho esse potencial. Ninguém tem. Porém só agora compreendo isso. E, talvez, só agora consiga aceitar isso sem ter que dramatizar. Precisei ir ao fundo do poço para alcançar a fonte da água que agora bebo. A água pode ser amarga, mas mata a minha sede. E, com o tempo, essa coisa que não existe, mas muito faz por nós, pretendo me recuperar. Cada gole faz doer a garganta ao passo que me torna uma pessoa melhor. Se preciso fazer sacrifícios para melhorar enquanto ser, que seja, pois não quero mais fazer mal a mim, a você e a tantos outros que me apoiam. E se pra mim é um sacrifício ter que deixar você mais livre agora, sacrifico-me com prazer apostando que isso, possivelmente, fará com que você fique comigo não por dó, pena ou culpa, mas por prazer, felicidade e ternura.
Aqui abro meu peito a ti, Giovanna. Aqui escancarei as janelas de minha alma. Você viu muito. Não tudo, é claro, pois creio que ninguém nunca vê tudo de outra pessoa. Mas você viu o suficiente, pelo menos. Você viu o bom e o ruim, o leve e o pesado, o riso e o choro, a lágrima e o carinho, a ternura e a raiva, a necessidade de controle e minha preocupação com sua felicidade e liberdade.
Além de você, em todos esses movimentos de uma pessoa doente, perdi também a mim mesmo. Perdi o Vithor que faz coisas do nada, que se encanta com a trama das relações sociais a que pertence e que busca o novo, que é curioso, que gosta de ler e escrever. Tentando não perdê-la, quase a perdi, quase me perdi, quase perdi aquilo que mais me é valioso: o direito de estar vivo. Cada corte que fiz em mim foi também um corte no coração daqueles que amo e que me amam. E por isso, a todos vocês, e principalmente a você, Giovanna, que infelizmente vivenciou tudo na pele, peço desculpas. Peço perdão. Pois é tudo que eu tenho agora. Mas calma...
As coisas vão melhorar. As coisas PRECISAM melhorar. Por mim, por você, por minha família, pelo mundo. Sim, estou sendo egoísta a ponto de afirmar que eu seria uma perda incalculável para a humanidade! Afinal, de melancolia já basta. BASTA! Basta de melancolia, de depressão, de tristeza, de choro, de dor. BASTA! Basta de jogos emocionais, de chantagens, de dualidades, de oposições, de atritos, de brigas. BASTA!
Precisei chegar ao abismo da possibilidade de perder minha vida para conseguir ver tudo o que já conquistei e, modéstia a parte, pelo que tenho orgulho. Conquistei uma garota sensacional em TODOS os aspectos possíveis e imagináveis. Por isso, eu quero mais risos, mais integridade, mais amor, mais... Eu quero mais “MAIS”! Eu quero mais vida! Só receberei a dor se ela for bem justificada e para me fazer alguém melhor, quando ela for inevitável, seja lá o tamanho que tiver para mim.
No fim, acabei escrevendo um texto. Mas só o fiz por três razões: 1) para poder gritar ao mundo e pra todos que tenho um problema e preciso de ajuda; 2) para pedir desculpas por todo o mal que fiz até agora; 3) porque sou ansioso. Sim, porque sou ansioso. Explico-me: quando afirmo que escrevi esse texto porque sou ansioso quero dizer que não aguento esperar até chegar o momento em que estarei melhor e agindo mais de acordo comigo e não com essa depressão. Pois esta é minha promessa “daqui pra frente”: serei e ficarei melhor. Escrevi o texto porque posso dizer com palavras o que pretendo daqui pra frente. Mas o que realmente importará é dizer com gestos e atitudes tudo o que pretendo “daqui pra frente”.
Hoje tenho uma nova resposta para quando me perguntarem qual é minha religião. Minha religião, de agora em diante, é a vida. Não porque gosto de biologia ou da natureza, mas porque no momento atual, para continuar vivendo, preciso de fé. Preciso de fé em mim. E fé, meus caros, se vocês sabem bem, é um sentimento de crença naquilo que não há provas de ser. E para mim, agora, a vida é algo que não há provas de ser. Mas decidi continuar nesse mundo. E precisarei de muita, mas muita fé. Por pior que as coisas pareçam agora ou nos próximos meses, terei fé. E confiarei no apoio de todos que eu amo e me amam também. Mais uma vez, desculpas.