Como você confia em alguém? O que, em você mesmo, faz o julgamento necessário para confiar em outra pessoa a ponto de se desnudar em frente a ela? Em mostrar-lhe suas múltiplas faces, suas dores, seus amores e seus temores? Quais aspectos você leva em consideração? Creio que na maioria das respostas mudas a essas perguntas, existe ao menos a seguinte palavra em comum: o tempo. Sim, o tempo, essa coisa que não existe, irreal, imaginada coletivamente por toda a humanidade e que, ainda assim, é essencial para as relações humanas. Porém, o tempo daqui não é aquele medido em relógios. É aquele medido pelos olhos, pelas lembranças, pelos momentos. É aquele tempo que não se conta, não se consegue medir. Às vezes, não importa o tempo que você passe com uma pessoa, ela nunca te conhecerá. Ao menos não da forma que realmente importa, ou seja, em seu âmago, quase que do jeito que você próprio se conhece. Entretanto, com certeza você irá encontrar nessa escalada sem cume visível que é a vida pessoas que quase que instantaneamente se tornam íntimas... Ou será tudo isso uma ilusão?

Parece uma dança... De certo modo, talvez até seja. Afinal, uma relação é sempre o encontro entre universos colossais e que, assim sendo, vão se roçar, se esbarrarem, se pisotearem até que num certo momento acerta-se o ritmo. E aí a coisa flui. Ou não. Mas quando flui, mesmo, creio que seja a coisa mais bela de se presenciar durante a vida. A troca interpessoal entre coisas intrapessoais, pedaços de alma fluindo e, com amor suficiente, acalentando e fazendo ataduras com faixas de carinho no espírito daquele com quem se relaciona, este sempre, tal como é humano, ferido. Afeto que é curativo, amor cego e humilde, entre duas pessoas... Não há experiência de vida que supere isso. Sabe? É, aquele momento quando se percebe que no fundo daqueles olhos que te encaram existe um ser maravilhoso, cheio de felicidades e tristezas, de história, de vida e de amor que está ali, contigo. Vocês dois, onde quer que estejam, se encontram pra além do espaço tempo que os determina na realidade concreta. Ah, o olhar... Tão estático e, ao mesmo tempo, alguns segundos olhando bem no fundo dos olhos de outra pessoa e jorram rios de energia incomparáveis a qualquer coisa que existe no mundo. Creio que os olhos são realmente a janela da alma. As vontades, os desejos, o afeto, o ódio, a raiva, o nervosismo, a paz... Tudo isso que se sente transparece no olhar de um jeito tão cristalino que beira a irrealidade. E esse nível de intimidade na troca só cresce se for alimentado com o tempo. Um tempo calmo, sem pressa, um tempo que é paciente pra esperar, um tempo que sabe que a vida é curta mas não corre pra não deixar esperando aqueles que o aguardam ansiosamente. Um tempo que toca a música dos versos da vida numa melodia serena, assim, aos poucos, no ritmo da bo(ss)a nova, com acordes como ternura maior e sorriso sustenido de meia boca.

E se falo aqui de uma relação a dois, não interprete-me errado. Não falo necessariamente de casais ou, pelo menos, não com o sentido comum desta palavra. Minha ideia é de que cada dois seres humanos formam um casal, seja de amigos, de namorados, de parentes, de filhos, de pais, enfim... Então, quando dois seres se encontram, livres em sua possibilidades, espontâneos em sua autenticidade e felizes em sua individualidade, não há coisa mais bela. E é justamente por isso que o tempo é (acho) a maior das provas de confiança e, portanto, de qualquer tipo de relação. Porque é só com o tempo terceiro que brota da união do tempo da alma de cada um nessa relação dual que é possível que tal relação se dê de uma forma agradável a ambos. Penso em inúmeras relações que tive em minha vida e como foi o processo de se despir perante o outro. Não das roupas do corpo, mas das correntes da alma, da mente... De como foi fácil, nas primeiras vezes e como esse foi tornando-se um processo cada vez mais árduo e apavorante. Fiquei mais cauteloso ou menos inocente? Será que existe diferença? As teclas do piano de minha existência compõem uma melodia alternante entre o ser e o nada, entre viver e sobreviver, entre o conhecido e o novo. Essa vida que vivo agora, em minhas infinitas relações a dois, com meus amigos, com meus pais, com o mundo e, inclusive comigo mesmo, é sempre nova. A cada letra escrita, a cada lágrima chorada, a cada filme visto, a cada música ouvida, o novo invade-me e banha-me de prazeres inéditos, por vezes dando espaço à velhas conhecidas dores. Ainda assim, sacio-me pensando que minha história é escrita a cada dia que passa, alguns dias com rabiscos, outros com letra bonita, alguns dias com letras maiúsculas, outros com letras minúsculas. E sou eu o seu autor. Mais ninguém. É claro que existem inúmeros personagens na história, mas quem a escreve sou eu, ao mesmo tempo em que a leio. E o mais interessante é que trechos da história se apagam, outros se modificam numa segunda leitura... É uma história dinâmica, uma metáfora literal a fotos que se movem.

Por isso, quero poder amar. Quero me permitir amar, de todas as formas possíveis e i(ni)magináveis. Quero viver de tal forma que o amor esteja em cada instante e que cada um desses instantes seja eterno enquanto durar. Quero que cada vez que chore, não seja pra esquecer, mas pra sofrer aquilo que merece ser sofrido. Quero que cada vez que eu ria, não seja de uma piada tosca, mas da graça que a vida própria tem. E que cada um de meus sorrisos seja daqueles que não dá pra segurar, que seja como aquelas gargalhadas de ter feito algo engraçado e não conseguir se conter de rir, ainda que a situação não permita. Quero me perder em estradas de terra em que só reste a luz de estrelas. E, por mais que o céu esteja nublado, com certeza terei a luz dos olhares daqueles que me rodeiam, ainda que eles só existam em minha imaginação. Quero poder gastar todo meu amor logo nessa vida, sem essa de pagar parcelado, que eu compre a vida à vista, assim, sem mais nem menos, quando ela vier e pagarei como puder, com o amor que tiver no bolso do peito. Quero olhar pra todos como minha mãe me olhou ao nascer, façam-no ou não por merecer. Tudo o que quero, vida, é consumi-la com paixão e também com sabedoria e parcimônia. Ah, vida, se tu soubesse como é ser o verbo em vez de o substantivo... Vida pra mim é verbo e, portanto, sempre movimento, ação, dinamismo. Quero que a única constância seja a da mudança, a da coragem pra colocar a cara à tapa, a da audácia de viver na borda da loucura e da sanidade, bebendo de cada taça um pouco, tirando de cada boca um beijo, de cada momento uma recordação, de cada pessoa um aprendizado, sempre. Quem sabe, assim, com o tempo, as coisas se acertem? Os últimos meses de minha vida têm refletido positivamente nesse aspecto das coisas se acertarem. Aos poucos, vou tateando meu caminho nessa escuridão que é esta ínfima existência. Ínfima, mas infinita. Sem dúvidas.

Ah, vida, vem pra cá, me dá um abraço! Cumprimenta-me de forma adequada, como manda a tradição, com dois beijos, um em cada lado, seguido de um abraço bem apertado. Planta em mim sementes de amor porque mais tarde quero comer doce de felicidade! Vamos juntos caminhar no bosque, ouvir o cantar dos bem-te-vis e apreciar a beleza de árvores tão mais velhas que nós! Quem sabe puxar um papo debaixo de uma pitangueira, vendo o sol quebrar nas folhas verdes e as nuvens transitando pelo céu azul! Vamos lá na praia pular ondinhas no ano novo e construir uma casa feita de carinho pra, quando a tristeza chegar, poder ir dormir e deixar-nos em paz! "Vamos ser feliz que o sofrimento já passou!". Venha, minha nega, vamos "discutir Caetano, planejar bobagens e morrer de rir"! Vai ali, que eu tiro uma foto sua pra mostrar pra mim mesmo daqui a alguns anos e me lembrar de quem um dia fui e, se possível, reconhecer o quanto disso ainda sou, ainda que de outra forma! Isso, "fica bem aí que essa luz comprida ficou tão bonita em você daqui"! Ah, vida, não me despeço mais de ti, apenas fecho a porta do quarto pra você poder cochilar... Em paz, porque amanhã tem mais! Vamos nos permitir, viver no tempo da preguiça, escancarar nossos corações pra todos e distribuir amor de bicicleta! É isso mesmo que quero! Venha, vamos!