Casamento com a saudade
Céus!
Tira os véus
dessa moça.
Desnuda-a!
Deixa muda
essa voz
que chama pelo nome dela,
que me joga na foz
das saudades...
Essa cela
que me prende
na janela
da solidão do meu quarto
e me faz ver o mundo
sem a aquarela
que vem com o sorriso
que só tem ela.

Mirante
Imagino você no mirante
com nada e tudo diante
de seus pés.
Se imagino,
é porque estás distante
de minhas marés.
Pudera eu estar ao seu lado,
assim, ao léu,
assistindo sentado
a um por do céu,
largado, no mato,
com seus olhos de mel.
Sua boca faz florir
palavras doces que fazem-me sorrir.
Como um jardim,
colho cada pétala
que dizes pra mim.
Faço um buquê
com as sépalas
que desabrocham de mim.
Dentro delas,
uma seiva de sentimentos
que me faz sentir.
Admirando, de longe,
você,
no seu próprio mirante,
avisto uma árvore
que muito me fez crescer.

Imperativo internacional
Deita-te em meus braços.
Deleita-me com o calor
de seus abraços.
Enche-me de rubor.

Deixa-me fazer carinho,
assim, de leve, em sua testa.
Adormece no caminho.
De seu sorriso, dá-me uma fresta.

Verte em mim sua beleza
e, com leveza,
Faz com que acredite em minha grandeza.
Deixe-me sorver de tua sutileza.

Lufa teu cheiro em mim.
Enche-me com teu brilho sem fim.
Torna-me, para a vida, um sim.
Despe meu eu de enfins e afins.

Sinto saudade, é verdade.
Das tapiocas, das tardes.
Das conversas, das margens
do rio que divisa
a fronteira de nossos beijos
e avisa
que isso tudo é mais que lampejo:
é desejo
de ser mais que um imigrante
em teu coração.

Paixão engarrafada pela multidão
Mostra-me de novo seu olhar
pr’eu me assegurar
de que seus olhos não são
mero eclipse solar.

Beija-me de novo
pra me acalmar.
Digas que irá voltar
pr’eu me apaziguar.

Entre fortes e fracos,
Sou tolo.
Por me apaixonar e deixar
o meu coração em cacos.

Cacos de uma garrafa de saudades
que carregava dentro o líquido
de minha paixão.

Quando fostes embora,
caiu e quebrou ao chão,
me envenenou com amor de primeira hora.

Desejos terminais de um alguém inicial
Que o céu seja o único limite de nossas vidas,
que as lembranças sejam eternamente retidas,
que as esperanças não se tornem memória
e que, quando tudo faltar, ainda nos reste a aurora.

Que as estrelas iluminem o caminho,
que não o percorramos sozinhos,
que escrevamos nosso destino,
que não esqueçamos da importância do desatino.

Que nosso cotidiano não dure anos,
que quando velhos ainda saibamos
rir de nossos próprios danos
e a fazer outros planos.

E se nada restar,
se tudo sucumbir,
que ainda possamos andar,
esquecendo-nos de dormir.

Mas se tudo se acertar,
se tudo se consiga atingir,
que não queiramos acomodar,
que possamos continuar a ir existir.

Ainda que não mais aqui...

Morreu de morte rimada
Morrer
é mostrar
o mofar,
é o moer
de morfar
o ser
no acabar.
É rimar
o viver
com o trilhar sem ar.
E sofrer é ter
que continuar
a ver
quando o objeto do amar
já não se pode ter.
É saber
que tem que encarar
a cara dele sem poder tocar
e a cara dos outros sem poder chorar.

É negar aos céus dos olhos a liberdade para chover.