Tudo ou nada?
O tudo
não é todo
porque em tudo
falta a falta.
E se até em tudo falta,
na vida,
nada é todo,
mas tudo é não-nada.
Navego, no entanto,
com ego erguido
e a cabeça n'água.
Pois tanto
é pouco
pra quem vive vivendo entretantos,
nessas reticências
sem residências
que, aos poucos,
acabam por escrever
muito do que sou.
Se sou lento,
não sei...
Mas gosto do vento
que bate nesse desalento,
desatento!,
de um eterno pôr do sol,
sem movimento.
E eu?
Eu vou só vendo
enquanto, por dentro,
estou chovendo...
Enquanto ainda há tempo,
não morro.
E vou.
E vôo.
E foi.
E fui.
Agora, já não sou.
Já sei!
Nada sei.
No morro,
me enterro.
Não "Sabendo",
mas, sem erro:
VIVI!
Aula de tempo perdido.
Enquanto ela olha pra lousa
Minha cabeça repousa
Sobre o moinho do tempo
No cume do Monte dos Ventos
Que giram a roda dos meus sentimentos.
Se (h)amor, há dor.
A beleza de viver
não está na solitude do seu prazer
mas no amor,
que nada mais é
que compartilhar a dor.
A dor de navegar em águas calmas
e ainda naufragar.
A dor de assistir
a vida passar.
A dor de voar baixo
e ainda cair.
A dor de pura e simplesmente
existir.
Um dia,
passeando na praça,
uma senhora, sem graça,
me disse:
Larga disso, senhor!
Se amor, há dor.
E foi embora,
sem rubor nem pudor.
Então virei só sentimento.
Sentimento de acolhimento
Por aqueles que são,
por aqueles que vão,
por aqueles que só dizem não
e por aqueles que existem em vão.
Diz-se-que-disse
Diz-se que disse:
“Ora! É hora, vambora!”
Com isso, marchou pela porta
e disse: “Adeus!”, toda torta.
Viajante onírica
Foi-se indo,
Viajando por si mesma,
Entendendo seus caminhos
saindo de seus cantinhos,
Pulando e cantando,
Fazendo sorrir chorando
Encantando seu próprio ir e vir.
Estava indo sozinha,
No escuro,
Para seu canto mais obscuro,
Transpondo-se em seu mais alto muro.
Dali em diante,
Sabia,
Era uma frágil viajante,
Uma alma ambulante.
No bosque de sonhos perdidos
Caminhava por entre seus desejos antigos
Em forma de folhas negras
Boiando em regatos rasos.
Estava vivendo um infindável morrer
Enquanto encarava tudo aquilo que virou seu não-viver
Todos monstros nascidos de suas escolhas
Todos eles vivendo nas folhas
Do bosque de sonhos perdidos.
Estavam todos vivos,
É claro,
Em mundo alternativo,
Em sua imaginação.
Então recebeu uma ligação
Do mundo real
Era o tal do doutor,
Dizendo:
“Acabou a sessão.”
Ela virou e pensou:
“Ah... não!”.
Relógi(c)o
A roda infinita do tempo gira
enquanto assisto os relógios pararem
sutilmente, após minha tentativa falhar,
de me poetizar.
Tanta amargura dentro de um eu
que se julgava apaixonado por
uma vida tão frustrante e castradora
quanto esta que impõe.
Impõe-se como ponteiro deste relógio
que está marcado para despertar
no dia de morrer.
Como se tivesse que levantar dessa cama terrena
para eter(n)izar-me.
Quero que passe.
Que esse ar de vida tão breve quanto revigorante,
ao ser expirado, ascenda minha alma para além
das nuvens brancas que assisto se formarem
e nunca se desfazerem.
Falsas hipóteses sobre uma realidade cruel
justamente por não ser onírica.
Viajo sobre as rodas do tempo
que não se dirigem sozinhas.
Salto alto: os ponteiros das horas voam no ar
da materialidade apaixonante e sádica.
Essa senhora ambivalente que nos faz sofrer
por amor e nos ama para que isto possamos fazer.
EnVidar.
Ouvir as cores dos pássaros cantantes...
Ver os sonhos das folhas caídas...
E os rostos, sorridentes semblantes
daqueles que sentem a vida
como uma jornada,
de ida,
em direção ao nada.
Assistir aos meninos
ouvindo a cantiga
de ninar de seus pais.
Sarando as fadigas
de dias nos quais
não se tocam os sinos
de igrejas mais.
Enxergar os jovens
gastando sua juventude
com coisas banais.
Nada mais que tempo bem gasto
com coisas casuais
nesta caminhada da existência
em que não se pode voltar atrás.
Chorar pelos adultos,
esquecendo-se de brincar,
com as mágoas profundas
e com a falta de ar,
deixam de se importar
com o que importa mais...
Tudo vira insulto
para esses vultos abismais.
Batalha de mim contra eu mesmo
Meu sofrimento é invisível,
mas é latente.
Ele é tangente ao inexistente,
quase indizível,
mas onipresente.
É indescritível,
mas isso não impede que eu tente.
Ele é como um ente,
ser fantasmagórico que me segue
feito parente.
É parte de mim,
ele parte de mim e
a mim, parte.
Deixa-me doente,
faz com que me sente
no colo do presente
e me ausente de minha mente.
É sofrível,
mas permite que siga em frente
e enfrente-me,
este eu irascível.
Duas ou três.
Desejo latente
Felicidade aparente
Tristeza somente
Ando transparente
Preso na mente
Todo descrente
Sob essa lente
De melancolia presente
No sofrimento recente
Linguagem dormente
Possibilidade decente
Liberdade emergente
De ir em frente
Solitariamente.
Ainda que enfrente
A dor de frente,
Sinceramente,
Como ente
Que sente
A vida passivamente.
27 de novembro de 2014
10:54