Perdi-me por entre vilas boas, num vislumbre de vida boa tão raro a mim quanto possível. Vagando por essa vila, descobri que felicidade é amor sem idade nem cidade. Tentar transcrever esses sentimentos em palavras é quase impossível, mas tentarei. Fui arrebatado de uma hora pra outra e descobri que o melhor jeito de ser nessa situação é me ser. É permitir-me viver colocando o amanhã em seu devido lugar e aproveitando o presente que é o presente. Poder ouvir as músicas que tanto amo enquanto danço ao passo de nossas línguas foi lindo. E tudo isso tem sido, como sempre quis que tudo fosse, poético. Pude, pela primeira vez, aprender a falar na língua da vida o idioma da poesia e nunca vivenciei tanta beleza. E aprendi também que o silêncio é muito valioso nesse dialeto, pois permite que eu sinta, assim, só eu, tudo o que está acontecendo. Meus olhos viraram pernas que percorrem toda essa vila bela num instante. E não se cansam. Ah, não, não sentem o estafo comum ao andar fisicamente. Eles se maravilham com a beleza exótica e incomum de uma vila miúda mas nada bucólica. Essa vila brilha e é possível avistá-la de longe, pois irradia uma luz pura e simples que iluminaram meus olhos em um momento escuro. E quase ceguei-me. Quase. Mas, como ainda consigo ver, ainda consigo percorrer essa vila. E é por isso que me perdi: meus olhos ainda não estão acostumados com tanta claridade. É como se o que estivesse vendo fosse irreal, uma viagem onírica a um lugar transcendente e áureo. Perdi-me no fundo de seus olhos e tento não me afogar nesse poço pequeno mas tão profundo. A vila pediu-me que parasse de observá-la, de apreciá-la, de contemplá-la, de percorrê-la com meus olhos. Não pude, pois tudo é muito belo. Inconformavelmente belo.

Pela primeira vez consigo ser eu mesmo. Consigo viver-me da maneira que sempre quis ser vivido. Afinal, nessa vila não há outdoors. Não existem fachadas que poluem visualmente minha caminhada. E como é bom caminhar aqui. Caminhar aqui é um exercício sentimental de contemplação perante a vida. E a vida está bela. Está. Porque, como vida, é movimento e, assim, nunca estática. Como tudo, isso é uma viagem sem data de retorno. Mas em que existe, possivelmente, um retorno. Porém, também, como em toda viagem, aquele que volta não é o mesmo que foi. E só isso já faz a viagem valer a pena. A verdade é que finalmente consegui me poetizar com alguém. Estou vivendo poeticamente, com cada segundo tendo sentido e tendo sentido tudo a cada segundo. E quando a noite chegou e a vila precisou se apagar, desejei-lhe felicidade e que ela pudesse dançar extasiadamente sob as estrelas assim como nossas bocas fizeram naquela tarde boba de sábado. E disse-lhe isso com um trecho de uma das músicas que dançamos com nossas línguas... Na verdade, dançamo-la com nossos afetos. "I do believe we're only passing through" e é isso o que importa. Se estamos só de passagem, que ela possa ser da melhor forma possível. Por isso, desejo que a vida saia das letras de música, das rimas de poesia, das frases dos livros e, principalmente, de nossas imaginações. Que a vida seja viva. Que a vida seja vívida. Que ela não fique, consigo mesma, em dívida. Que ela não seja dividida, mas algo que se divida com alguém. Que a vida seja vivida. Que ela se poetize. Que sejamos todos poetas capazes de conjugar o verbo universal que é o viver-sentindo no tempo do singular, do particular, do individual, cada qual à sua maneira. E que, durante esse breve período, sejamos a tinta, não o papel. Que escrevamo-nos.

E que fique claro que o tamanho pouco importa. A vila é pequena, mas é profunda. Como uma árvore pequena, meiga e tímida, mas que tem raízes compridas numa terra fértil e surreal que tem bons efeitos tóxicos sobre seus viajantes. E, assim, viajo, num tempo que não existe, a um local que, na verdade, é um abraço. Transponho-me a uma realidade alternativa em que posso percebê-la como grandes galhos de uma única árvore antiga, em que cada coisa, cada ato é uma ramificação da energia vital que nos move. Percorro esses galhos da mesma forma como ando nessa vila: como uma criança que está só agora descobrindo a sutileza do andar, de ficar em suas próprias pernas, aprendendo a subir em árvores para pegar a fruta doce lá em cima que é uma síntese complexa de sentimentos e vivências. Essa existência é cega e devemos aprender a caminhá-la sem querer saber o destino, tendo em ciência que a existência precede a essência e, no aqui-agora, pouco há de consciência. Tateio meus passos por entre os paralelepípedos dessa vila assim como deveria ter tateado meu caminho por essa vida. E percebo que fechar os olhos e simplesmente sentir é sensacional. Sentir as imperfeições perfeitas de sua pele, as ranhuras de sua beleza, como um quadro riscado a giz em uma tela alva que ela própria é. É fabuloso, quase que literalmente. Mas "quase". Porque aconteceu. E essa é a melhor parte. Quem nunca quis viver dentro de uma história, de um conto, de um romance? Isso tudo se parece muito com a realização desse desejo pueril. Todas essas palavras caem de mim com uma força que assemelha-se em muito a de uma cachoeira alta. Mas não é agua que cai, é um líquido denso e espesso cheio de sentimento e desejo. Na natureza dessa vila, pude en-cantar com a música de minhas palavras. E isso é tudo que sempre quis. Por agora, é só. Não por preguiça, pois nunca senti-me tão vivo aqui. Mas porque não quero estragar a sutileza desse meu andar trôpego por essas ruas colocando muitas palavras na boca da vida, pois só ela pode dizer o que deve ser dito. Cada coisa na hora certa, apesar de o tempo parecer-me tão mais estranho e imaginário quanto nunca. Vivamos infinitamente tudo aquilo que é finito para eternizar-nos em nossa efemeridade.